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Uma pergunta sobre didática ("métodos específicos") (2025)

1. Eduardo
2. Walter
3. Marcelo Finger
4. Julio Stern
5. Adolfo Neto
6. Samuel
7. Eduardo
8. Eduardo
9. João Marcos
10. Eduardo
11. João marcos
12. Julio Stern
13. Eduardo

Uma discussão na Logica-L (link pra ela no Google Groups) motivada por isto aqui.

Você pode ler os e-mails em PDF aqui. Eu pus uma HTMLização muito feia deles abaixo - vou melhorá-la assim que der! Por enquanto o PDF ainda tá muito melhor de ler do que a HTMLização!


1. Eduardo

From: Eduardo Ochs
Date: 7 July 2025 at 01:55

Oláááá,

eu tenho uma pergunta séria sobre didática - mas é impossível fazer ela sem contar algumas maluquices do meu departamento primeiro... então deixa eu começar pelas maluquices.

Eu dou aula de Cálculo 2 e Cálculo 3 num campus muito lixo da UFF, e há uns dois ou três semestres atrás os alunos descobriram que quando eles tiram notas baixas nas minhas provas eles podem fazer "requerimentos de revisão de prova", e aí o meu departamento tem que montar uma banca de três professores pra recorrigir as provas deles. E aí eu vi que essas bancas ignoram todos os indícios de cola, e que elas são formadas por colegas meus que não sabem perguntar, e quando eles não entendem alguma questão minha ou o gabarito dela ao invés deles me perguntarem eles inventam um jeito lá deles de corrigir ela.

De uns tempos pra cá eu comecei a incentivar os alunos a fazerem requerimentos de revisão de provas - as explicações estão aqui:

http://anggtwu.net/2024-rev.html#isso-me-atrapalha
http://anggtwu.net/2025-a-banca-maluca.html

...e agora os meus coleguinhas estão PUUUUUTOOOOS porque na P1 de Cálculo 2 onze alunos fizeram requerimentos de revisão de prova, e eles tiveram que corrigir.

Agora a pergunta séria.

Uma das reclamações dos meus coleguinhas é essa daqui:

http://anggtwu.net/2025-metodos-especificos.html

Vou copiar a parte importante do e-mail:

Eu tava relendo a transcrição da última reunião e vi as reclamações de vocês de que na minha P1 de Cálculo 2 eu exigi que certas questões fossem resolvidas usando certos métodos específicos.

Todas as pessoas com as quais eu converso sobre ensino de Matemática concordam que em certos casos é aceitável pedir que os alunos usem métodos específicos. A nossa posição é mais ou menos essa aqui,

(Quora) Why do math teachers and professors often force students...

e eu achava que ela era tão óbvia que eu não tenho nem bibliografia a respeito.

Vou dizer que nós somos do "mundo 1".

Na última reunião eu fiquei sabendo da existência de um "mundo 2", de pessoas que acham que a posição das pessoas do mundo 1 está errada, e que a gente tem sempre que deixar os alunos resolverem os problemas das provas usando os métodos que eles preferirem.

Bel, Fábio e Rômulo, vocês fizeram falas mostrando que vocês são do "mundo 2". Como vários de vocês fizeram Licenciatura imagino que vocês saibam onde encontrar as críticas do "mundo 2" ao "mundo 1". Vocês podem me mandar algumas referências, por favor?

Os meus coleguinhas não responderam.

Alguém aqui sabe ALGUMA COISA sobre lógicos e matemáticos que acham que você NUNCA pode pedir pros alunos resolverem questões por métodos específicos, e que você SEMPRE tem que permitir que eles usem os métodos que quiserem e escrevam do modo que quiserem?

O ideal seria pointers precisos - tipo "tem o Fulano, ele publicou o artigo tal" - mas quaisquer vagas lembranças já servem e me ajudam muito...

Gradeço, =)
Eduardo Ochs


2. Walter

From: Walter Carnielli
Date: 7 July 2025 at 11:05

Olá Eduardo e todas e todos, eu dei muitas aulas de Cálculo ,1, 2, 3 topologia ,teoria de números, algebra linear, geometra analítica e todas essas coisas.

Há basicamente duas categorias de questões: Na primeira você quer saber se ele(a)s sabem resolver o problema , na segunda você quer saber se ele(a)s entendem ou sabem usar um certo método específico.

Basta esclarecer na pergunta o que você quer, não vejo nenhuma dificuldade muito grande nisso...

Abs

Walter
========================
Walter Carnielli
CLE and Department of Philosophy
University of Campinas - UNICAMP, Brazil
AI2- Advanced Institute for Artificial Intelligence
Blog https://waltercarnielli.com/
https://www.name-coach.com/walter-carnielli


3. Marcelo Finger

From: Marcelo Finger
Date: 7 July 2025 at 11:24

Oi Eduardo.

Eu nunca dei aula de cálculo, mas nas minhas provas de Lógica muitas vezes eu falo para demonstrar esse teorema pelo método da dedução natural, ou pelo método dos tablôs analíticos. Nesses casos eu quero medir exatamente se eles entenderam o método em questão, pois é muito difícil debater os méritos e problemas de cada um desses métodos se eles não entendem o que eles fazem.

Eventualmente, eu também tenho questões do tipo: prove ou refute a seguinte sentença lógica pelo método que achar mais conveniente. Neste outro caso, o que está sendo medido é se ele consegue justificar de alguma forma rigorosa a argumentação. Não há nenhum problema, pois os diferentes métodos são parte da matéria.

Já tive meu quinhão de reclamações esdrúxulas, mas o que é matéria eu posso cobrar, apesar dos alunos dizerem que preferem um método A ou B.

Imagino que em Cálculo seja parecido; se faz parte da matéria fazer uma integração numérica pelo método de Runge-Kutta, ou pelo método dos trapézios, cada um desses métodos pode ser questionado explicitamente.

[]s
--
Marcelo Finger
Departament of Computer Science, IME-USP
http://www.ime.usp.br/~mfinger
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1391-1175
ResearcherID: A-4670-2009
Instituto de Matemática e Estatística,
Universidade de São Paulo
Rua do Matão, 1010 - CEP 05508-090 - São Paulo, SP


4. Julio Stern

From: Julio Stern
Date: 9 July 2025 at 03:07

Car(o/a)s:
Seguem meus 2 centavos:

Como aluno, eu Nao assistia as aulas de todos os professores, so de alguns que, na minha opiniao, realmente valiam a pena.

Eu tambem tinha o habito procurar um livro que me agrade para estudar, independente do livro recomendado.

Sempre digo para meus alunos que "Livro eh como namorada" a que funciona comigo, pode nao funcionar com vove, e vice-versa.

Disto se conclui que, no meu entender, Ha limites as especificidades.

Integre "por partes" f(x) , onde f(x)=... - OK
Interprete os operadores Divergente e Rotacional no contexto do Eletromagnetismo. - OK
Use o criterio tal para provar a convergencia da serie seguinte... - OK

Faca o calculo tal usando o metodo "bonitinho" que eu expliquei na aula de 01/04 - Not OK!

Tudo de bom, ---Julio Stern


5. Adolfo Neto

From: Adolfo Neto
Date: 9 July 2025 at 09:40

Acho que estão todos acima concordando, então não vou acrescentar muito, exceto dar um exemplo concreto: se eu ensino em sala de aula dedução natural pelo livro do Marcelo, peço na questão dedução natural, e o estudante prefere fazer pelo método de Fitch, tudo bem pra mim. Mas se a pessoa resolver usando tabela verdade, é zero

Adolfo Neto
Associate Professor - Federal University of Technology, Paraná
Web: https://adolfont.github.io/
Mestrado em Computação Aplicada: http://www.ppgca.ct.utfpr.edu.br


6. Samuel

From: samuel
9 July 2025 at 11:15

Olás

Eu quando quero um método específico eu procuro colocar no enunciado da questão; se essa ressalva não está no enunciado, fica complicado "não dar os pontos depois".

Eu costumo ter problemas quando dou Matemática Discreta II (Ciência da Computação) numa ementa da UFBA que *NÃO TEM* o Pequeno Teorema de Fermat,

Só que pede para estudar congruências com certo detalhamento, aplicar as propriedades, etc. "Determine o resto de 2^49 na divisão por 43", essas coisas.

O problema que sempre aparece é: algum aluno (repetente, quase sempre, e que já viu outras disciplinas) acaba resolvendo a congruência que eu passei, que era para usar os métodos de resolver congruências (propriedades da congruência, etc....)... aí a pessoa vai lá e pimba, Pequeno Teorema de Fermat !

A pessoa resolveu ? Resolveu. Achou o resultado ? Achou. Mas cumpriu o objetivo da questão ? Não porque o objetivo era ver se a pessoa sabe resolver congruências usando as propriedades usuais...

(A maldade que eu já cheguei a fazer num curso: coloquei como observação na questão, "O Pequeno Teorema de Fermat não foi demonstrado no curso ! Se quiser usá-lo para resolver alguma congruência, ENUNCIE-O E PROVE-0... Muito cruel)

... Ou é isso ou coloca o Pequeno Teorema de Fermat no curso, mesmo que ele não conste da ementa, enfim ! Ou tenho que tomar cuidado para colocar congruências em que o Pequeno Teorema de Fermat não possa ser usado... Estou vendo aqui que na última vez que dei essa disciplina tive que tomar esse cuidado específico (o que é muito chato).

Não tem muitas soluções fáceis para isso.

Abraços

[]s Samuel
https://sites.google.com/site/ufbalogic/home/home-1/members/samuel


7. Eduardo

From: Eduardo Ochs
Date: 9 July 2025 at 12:21

Oi Julio!

Legal, a sua mensagem me lembrou uma coisa importante... quando eu tava fazendo graduação em Matemática na PUC-Rio as aulas de Física do Ciclo Básico usavam o Haliday - que pra mim é um livro (×4) que mata os neurônios - e eram dadas por professores péssimos... e eu só consegui passar quando eu resolvi parar de ir nas aulas e estudar pelos livros do Moisés Nussenszveig.

Nos cursos daqui os alunos que conseguem entender algum livro são raríssimos, mas os alunos que acham que entendem os livros e depois fazem coisas assim nas provas...

Queremos encontrar a derivada de f(x) = sen 42x. Para tal vamos usar a regra da cadeia. Aplicando o método chegamos ao resultado, que é f'(x) = cos 42x.

...são bem comuns, então eu vi que vale a pena obrigar eles a fazerem as contas em certos formatos em que cada passo fica bem fácil de debugar.

ACHO que eu tou seguindo isso aqui de um jeito aceitável:

> Faca o calculo tal usando o metodo "bonitinho" que eu expliquei na
> aula de 01/04 - Not OK!

Como "exigir métodos específicos" não é o ideal eu explico bem detalhadamente porque eu vou "exigir métodos específicos" em várias questões de prova - e duas semanas antes da P1 eu disponibilizo um PDF chamado "Dicas pra P1" que diz exatamente o que eles têm que treinar, onde tem exemplos e exercícios, como vai ser cada questão da prova, quanto cada questão vai valer, conto muita coisa sobre os critérios de correção, e explico que na questão tal se eles resolverem pelo método tal eles vão ganhar todos os pontos e se resolverem por outros métodos só vão ganhar metade - PORQUE o método tal é mais lento mas a gente vai precisar dele em outros pontos do curso, então isso é um jeito de obrigá-los a treinarem o método tal...

[[]],
Eduardo


8. Eduardo

From: Eduardo Ochs
Date: 9 July 2025 at 12:35

Oi Samuel,

aqui eu passo por algo assim também, mas com integração... uns alunos decoravam tabelas enormes de integrais e aí resolviam em um ou dois passos certas integrais que eu queria que eles tivessem resolvido em dez passos... eu tive que encontrar um modo de definir o que são "passos fáceis de entender, de testar e de revisar", e como eu não encontrei nenhuma definição boa o suficiente disso por aí eu tive que criar a minha, que começou bem capenga e já mudou pelo menos umas dez vezes. Nem preciso dizer, né: se alguém quiser trocar idéias sobre isso por favor entre em contato, e se alguém souber de livros ou artigos que definam isso bem por favor entre em contato comigo PRA ONTEM...

[[]],
Eduardo


9. João Marcos

From: Joao Marcos
Date: 9 July 2025 at 15:28

Viva, Eduardo:

> Alguém aqui sabe ALGUMA COISA sobre lógicos e matemáticos que acham
> que você NUNCA pode pedir pros alunos resolverem questões por métodos
> específicos, e que você SEMPRE tem que permitir que eles usem os
> métodos que quiserem e escrevam do modo que quiserem?
>
> O ideal seria pointers precisos - tipo "tem o Fulano, ele publicou o
> artigo tal" - mas quaisquer vagas lembranças já servem e me ajudam
> muito...

Não sou, infelizmente, especialista no ensino de Matemática, e muito menos no ensino de "Cálculo" para estudantes sem a formação básica apropriada, e minha experiência mais relevante aqui provavelmente está no ensino de *métodos de demonstração* para alunos de cursos ligados à Computação, particularmente por meio de disciplinas ligadas à "Matemática Discreta".

Do que você conta, é bem provável que os seus colegas das "bancas malucas" tenham pouca ou nenhuma formação pedagógica --- o que, de resto, é bastante comum, no nosso país, entre professores de nível superior. Mas você também não revelou, em sua mensagem, muito sobre quais seriam os seus próprios *objetivos de aprendizagem* ao requerer dos seus alunos o uso de métodos específicos na resolução de problemas.

Dito isto, talvez não seja fácil encontrar referências bibliográficas que defendam que "você NUNCA pode pedir pros alunos resolverem questões por métodos específicos, e que você SEMPRE tem que permitir que eles usem os métodos que quiserem e escrevam do modo que quiserem". Você ficaria contente com menos do que isso? Por exemplo, referências que lhe ajudem a fundamentar vantagens pedagógicas de se exigir o uso de métodos específicos? Para fazer o contrapeso, talvez valha a pena olhar também para referências que apontem vantagens pedagógicas de se permitir o uso livre de quaisquer métodos que estejam bem justificados e que permitam resolver os problemas em tela?

[]s, Joao Marcos
--
https://sites.google.com/site/sequiturquodlibet/


10. Eduardo

From: Eduardo Ochs
Date: 9 July 2025 at 15:46

Oi João!
Ficaria contentíssimo! Manda! =) =) =)
Vou escrever uma resposta grande assim que puder!
[[]],
Eduardo


11. João marcos

From: Joao Marcos
Date: 9 July 2025 at 20:45

Salve, Eduardo:

Como eu dizia, isto tudo provavelmente depende muito dos seus *objetivos de aprendizagem*, ou mesmo da sua *forma de avaliação*... Por exemplo, um dos motivos pelos quais um professor poderia desejar limitar a escolha dos métodos usados pelos alunos seria para conseguir identificar mal entendidos com mais facilidade e para poder dar um feedback mais dirigido sobre os erros cometidos. Diagnósticos são mais simples quando a lista de sintomas relevantes é reduzida! Considerando uma variante de um exemplo que você mesmo deu, se você pede para um aluno encontrar a derivada de sen(x^2) e você julga que há alguma chance de que ele simplesmente responda 2x·cos(x^2), sem se dar ao trabalho de explicar nada, pode ser útil exigir que você exija dele, digamos, o uso da regra da cadeia, com todos os passos intermediários (contas) sendo exibidos.

Padronizar as expectativas de resposta também pode ser uma ferramenta que ajuda a favorecer a equidade na aprendizagem: a situação de vantagem na qual se encontram estudantes que chegam com exposição prévia aos assuntos de um determinado curso ou que simplesmente têm maior acesso a recursos didáticos tende a ser reduzida quando as expectativas de resposta são menos "open-ended" e mais estruturadas. Um dos livros famosos da Jo Boaler, "Experiencing School Mathematics: Traditional and reform approaches to teaching and their impact on student learning", trata disso --- entre muitas outras coisas.

(A exposição prévia a um determinado assunto também pode atrapalhar: ocorre-me uma situação, há 20 anos, de uma aluna que decidiu resolver "por dedução natural" ---como ela teria aprendido no Ensino Médio que fez no CEFET, um pouco antes de estudar comigo--- uma questão que ela deveria resolver *por via axiomática* ---como constava, infelizmente, da nossa bibliografia de curso, na época---; o problema é que ela NÃO tinha aprendido de verdade nada que se parecesse com dedução natural, e sequer se dava conta da diferença entre uma conjunção e uma disjunção...)

Bem, do ponto de vista das coisas com as quais eu trabalhei mais de perto, requerer o uso de métodos específicos pode ser uma ferramenta que ajuda a instilar certas *disciplinas ou hábitos de pensamento*, como o rigor conceitual, ou quiçá mesmo a elusiva capacidade de "pensar como um matemático". Se alguém ---que Bog proíba!--- solicitar a um estudante que encontre, digamos, a derivada de (x+1)^(1/2) *usando diretamente a definição de limite*, o objetivo da tarefa poderia ser o de reforçar o conceito de derivada ("taxa de variação instantânea") como o limite da "taxa de variação média" de uma função. O David Tall tem um texto muito citado em que ele trata disso: "The transition to advanced mathematical thinking: Functions, limits, infinity and proof".

A prática isolada de um determinado método também é usada para fortalecer aquilo que se chama de "fluência procedimental". Pense na forma como nos obrigam a fazer contas lá na escola primária, usando aqueles algoritmos às vezes terrivelmente ineficientes, mas fáceis de verificar...

Os docentes que defendem a "liberdade de métodos", por outro lado, muitas vezes têm uma abordagem mais prática, menos conceitual e menos preocupada com correção ou com a apresentação de evidências explanatórias. A proposta, em geral, é a de se estimular a criatividade, a apropriação da aprendizagem por parte do discente, e também a transferência de conhecimento entre contextos (o que representa, não raro, um bom sinal de aprendizagem profunda). E esta abordagem "livre" também tem a vantagem de ser boa para "manter a moral alta", isto é, para aumentar a motivação dos (alguns?) estudantes. Se bem me lembro, a Jo Boaler também fala disso no livro dela, citado acima.

Como eu já disse, não sou nem de longe um especialista em Educação Matemática. (Um ex-aluno me disse brincando estes dias que "Matemática está para a Educação Matemática assim como a Física está para a Educação Física", mas não sei se concordo com isso.) Reconheço, de todo modo, que o seu método de ensino, Eduardo, pode não estar alinhado exatamente a nenhuma das preocupações externadas acima...

Infelizmente, discussões sobre Educação aqui nas nossas terras costumam ter mais base ideológica do que empírica. :-/ Bem, mas em que sentido você acha que conseguiria impressionar os seus colegas ao apresentar referências de estudos que comprovem que um certo método pedagógico pode, em determinadas situações, de fato funcionar melhor do que outro?

Abraços metodológicos,
Joao Marcos
--
https://sites.google.com/site/sequiturquodlibet/


12. Julio Stern

From: Julio Stern
Date: 10 July 2025 at 02:15

Caro Eduardo:

Por coincidencia, eu, que entrei na USP em 1977, e tive aula de Fisica Basica com o Moises Nussenszveig, que nos escreveu apostilinhas (manuscritas) de suas aulas.

Estas apostilinhas foram depois coletadas na 1a edicao do seu Livro, que (que manteve a forma manuscrita)

Em uma prova, ele pediu para que calculassemos alguma coisa (ex. a massa de uma nuvem) a partir de dados na questao. Eu errei em algum detalhe da conta, e cheguei a um resultado absurdo. Nao havia tempo de refazer a conta, mas escrevi uma nota explicando porque o resultado era absurdo, e que eu devia ter cometido algum deslize...

Para minha surpresa, o Moises me deu o valor cheio da questao, e acrescentou uma nota na correcao dizendo (algo assim):

Boa Intuicao e senso critico valem mais do que o deslize cometido.

Obviamente, o Moises era um dos Professores cuja aula valia (muito)!

Tudo de bom, ---Julio Stern


13. Eduardo

From: Eduardo Ochs
Date: 16 July 2025 at 23:54

Oi João!

Tou quase terminando de ler o livro da Jo Boaler que você recomendou, o "Experiencing School Mathematics". Achei interessantíssimo!

Uma coisa que eu fiquei me perguntando é qual são os critério das duas escolas do livro - Amber Hill e Phoenix Park - pra considerar que um problema foi resolvido... deixa eu explicar isso melhor. Há uns semestres atrás eu tentei usar esse livro daqui nos meus cursos:

http://hostel.ufabc.edu.br/~daniel.miranda/calculo/calculo.pdf#page=120

aí na "#page=120" dele tem uns exemplos que eu pedi pros alunos entenderem, completarem os detalhes e "traduzirem pra uma notação mais matemática" - e pedi que eles fizessem do jeito deles, em grupo, e a gente iria discutindo como melhorar. O resultado foi apavorante - o máximo que eles conseguiam era escrever umas expressões matemáticas e umas em português espalhadas pela página. Se eu tivesse um ou dois meses pra trabalhar isso _talvez_ eles conseguissem chegar a algo legível, mas a gente não tinha esse tempo...

Tem várias coisas que eu peço pra eles que deixam eles completamente perdidos - e eu vejo que boa parte desse "perdidos" é porque eles não fazem a menor idéia de como escrever, e quando eu disponibilizo alguns exemplos de jeitos de escrever aí tudo funciona bem melhor. E ultimamente eu tenho sempre disponibilizado exemplos escritos "do meu jeito preferido", tanto no quadro, com uma letra feia e alguns erros, quantos nos PDFzinhos LaTeXados que eu fiz, que são mais bonitos e são revisados, e além disso eu dou links pra vários capítulos de livros - então eles podem consultar tudo isso nos celulares deles durante as partes da aula que são de exercícios e discussão. E eu tenho feito um monte de comentários sobre porque nem sempre vale a pena copiar o estilo dos livros... por exemplo:

  1. Tem muitos pontos em que os livros escrevem algo difícil em uma linha, de propósito e de sacanagem - o objetivo deles é fazer os alunos estudarem, e aí pra entender aquela linha o aluno vai ter que expandir ela - e ele vai levar várias horas pra fazer isso e a expansão vai ocupar meia página, mas nesse processo o aluno vai aprender um bocado...
  2. Os livros tentam fazer com que o texto em português em torno das expressões matemáticas (quase) nunca se repita, mas às vezes é melhor só a gente usar umas poucas partículas em português, como "então", "lembre que", "sabemos que", "seja", "queremos que", "vamos supor que" e "vamos testar se",
  3. Os livros falam muito pouco sobre coisas que dão errado - outro dia eu fui procurar exemplos de "vamos verificar que a função tal não é solução da equação diferenncial tal" e de encontrar antiderivadas por chutar-e-testar, e não achei.

A Jo Boaler fala bastante no ESM sobre memória, retenção de conhecimento e velocidade. Uma das coisas de Cálculo 1 que eu precisaria que os alunos soubessem em Cálculo 2 é a regra da cadeia, só que os alunos estão chegando em C2 só com lembranças super vagas do que é a regra da cadeia, e eles aplicam ela errado. Pelo que eu consegui descobrir em C1 eles aprenderam a regra da cadeia por um método que só faz sentido 1) quando você decora ele bem e 2) quando você vai precisa aplicar ele muito rápido e escrevendo o mínimo - é o método em que você decora algo como "...o resultado é a derivada da função aplicada na outra função vezes a derivada da outra função", e como eles não guardaram nada do material do curso de C1 deles eles nem sabem o que consultar pra reconstruir o que eles lembram desse método.

Eu tenho tentado fazer algo bem diferente disso: eu tou dando um curso pra pessoas com memória ruim, em que elas sempre podem consultar os exemplos que vão ser relevantes pra aula atual, e em que eu parto do princípio de que elas vão esquecer tudo mas quando elas aprenderem de novo elas vão reaprender bem mais rápido, e quando reaprenderem pela segunda vez elas vão reaprender mais rápido ainda, e tal... e a cada semestre eu vou melhorando mais o meu modo de expôr e os exemplos consultáveis e os alunos de cada semestre seguinte conseguem aprender mais do que os do semestre anterior...

Os meus cursos têm um monte de furos - por exemplo, eu até agora não tenho material pra ajudar os alunos a entenderem coisas como isso aqui,

http://hostel.ufabc.edu.br/~daniel.miranda/calculo/calculo.pdf#page=120

e eu TENHO A IMPRESSÃO de que a maioria dos professores de Cálculo trabalha muito a tradução entre "linguagem natural" e "linguagem matemática"... só que eu nunca encontrei um que me mostrasse em detalhes como ele faz isso. Imagino que se eu disponibilizar mais e mais material bacana isso vai gerar bom karma e algum dia o universo vai me pôr em contato com alguém que sabe me explicar como trabalhar essa tradução. =/

Vou deixar as historinhas pra depois. Aliás não, vou contar uma agora. Nos meus cursos eu insisto MUITO pros alunos aprenderem a nomear os seus objetos, aviso que dá trabalho aprender isso mas é utilíssimo, e tal... e eu tenho um aluno em Cálculo 2 que acha que o modo de escrever que eu tento ensinar é péssimo, e aí ele tenta fazer tudo do jeito dele. Pois bem, a prova de C2 foi ontem, e durante a prova ele me perguntou se eu podia dar uma dicas sobre a questão 2. Na questão 2 eles tinham que lidar com duas EDOs e oito funções, e nas perguntas dele pra mim ele chamava elas de: a equação, a equação, a função, a função, a função, a função, a função, a função, a função e a função. Depois de uns dois minutos eu disse que eu não ia conseguir ajudar ele não, e que ele tentasse se virar.

"Aprender a nomear objetos" é uma das coisas que eu acho que vale mais a pena fazer os alunos aprenderem - mesmo que eles esqueçam logo depois eu acho que mesmo lembranças vagas disso vão ajudar eles muitíssimo.

Mais depois =P,
[[]],
Eduardo